O Apóstolo Paulo nos ensinou em I Co 11:27-30 que os cristãos da Igreja de Corinto estavam adoecendo e mesmo morrendo cedo porque não estavam discernindo o pão e o vinho durante a ceia do Senhor. De onde ele tirou essa conclusão? Nesse artigo, vamos investigar quais são os pecados que, possivelmente, podem causar a morte prematura. Para isso, vamos investigar primeiramente com base na Torá e na tradição judaica quais são as infrações que incidem a pena de karet (morte prematura por juízo divino) e, em seguida, vamos averiguar qual teria sido o provável curso de raciocínio do apóstolo Paulo quando associou casos de óbito entre os cristãos na igreja em Corinto ao ato de profanar a ceia.
1. A pena de karet na Torá
Na lei mosaica aprendemos que as punições variam para cada pecado. Há a pena de morte por diferentes meios: apedrejamento (Ex. 31:14), queimadura (Lev. 20:14) decapitação (Ex. 21:12) e estrangulamento, para casos não especificados. Havia também outras penas, tais como a chicotada (Deut. 25:1-3), multas e restituição (Ex. 22:1-4; Deut. 22:19). E, por fim, a mais grave de todas, a pena de karet, que significa ‘ser cortado’, sinalizando uma morte prematura ou exclusão do povo de Israel – ela era a única executada pelo próprio Deus.
Na prática, contudo, era raro haver pena de morte porque o entendimento rabínico é de que deve haver algumas condicionantes para que possa ser aplicada, porque exigia pelo menos duas testemunhas oculares e advertência prévia. No entanto, a pena de karet era resultado da ira ou juízo divino, mas aplicável apenas a hipóteses restritas. Quando lemos a passagem I Co. 11:27-30 percebemos claramente que os cristãos estavam morrendo de forma precoce, então o apóstolo explica que essas mortes não eram sem razão. Por não haver qualquer menção a assassinato, o teor do texto deixa claro que essas mortes eram resultadas do juízo divino sobre eles, o que nos remete imediatamente à pena de karet.
Os amoraítas nos dão uma lista de 36 transgressões puníveis com karet (Kereitot 2a). Elas são derivadas principalmente da Torá e podem ser assim resumidas:
Nº | Pecado | Referência Bíblica |
1 | Comer gordura proibida (chelev) | Levítico 7:25 |
2 | Comer sangue | Levítico 7:27 |
3 | Comer ou oferecer incenso com fermento no Templo | Êxodo 30:9 |
4 | Comer alimentos no Dia da Expiação (Yom Kipur) | Levítico 23:29 |
5 | Trabalhar no Yom Kipur | Levítico 23:30 |
6 | Comer sacrifícios impuros (tamei) | Levítico 7:20 |
7 | Entrar no Templo estando impuro | Números 19:13 |
8 | Comer ofertas sagradas estando impuro | Levítico 22:3 |
9 | Comer notar (sacrifício que passou do tempo permitido) | Levítico 7:18 |
10 | Comer piggul (sacrifício com intenção imprópria) | Levítico 7:18 |
11 | Comer sacrifícios fora do Templo | Deuteronômio 12:17 |
12 | Sacrificar fora do Templo | Levítico 17:4 |
13 | Comer pão fermentado na Páscoa (Pessach) | Êxodo 12:15,19 |
14 | Não realizar a circuncisão | Gênesis 17:14 |
15 | Comer o sacrifício pascal em estado de impureza | Números 9:13 |
16 | Transar com a mãe | Levítico 18:7 |
17 | Transar com a mulher do pai (madrasta) | Levítico 18:8 |
18 | Transar com a nora | Levítico 18:15 |
19 | Transar com um homem (homossexualidade) | Levítico 18:22 |
20 | Transar com um animal | Levítico 18:23 |
21 | Mulher ter relação com animal | Levítico 18:23 |
22 | Transar com irmã | Levítico 18:9 |
23 | Transar com irmã do pai (tia paterna) | Levítico 18:12 |
24 | Transar com irmã da mãe (tia materna) | Levítico 18:13 |
25 | Transar com mulher do irmão (sem levirato) | Levítico 18:16 |
26 | Transar com mulher e filha dela | Levítico 18:17 |
27 | Transar com mulher e neta dela | Levítico 18:17 |
28 | Transar com mulher durante a menstruação (niddah) | Levítico 18:19 |
29 | Transar com mulher casada | Levítico 20:10 |
30 | Transar com irmã por parte de pai ou mãe | Levítico 20:17 |
31 | Blasfemar contra Deus | Números 15:30 |
32 | Idolatria | Êxodo 22:19; Números 15:30 |
33 | Entregar filhos a Moloque | Levítico 20:3 |
34 | Consultar os mortos (necromancia) | Levítico 20:6 |
35 | Violar o sábado | Êxodo 31:14 |
36 | Comer ou fazer trabalho no Pessach Sheni (2ª Páscoa) | Números 9:13 |
Dessa lista de pecados, podemos resumi-la ainda em categorias:
- Violação a lei cerimonial (itens 1 a 13,15 e 36).
- Pecados sexuais (itens 16 a 30).
- Idolatria (itens 32 a 35).
4. E outros, como não realizar circuncisão e basflemar. Note que a violação do sábado (item 35) pode ser classficiado como idolatria porque a guarda do sábado é considerado um mandamento positive que declara ao mundo idólatra que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo.
2. A ceia e a oferta shelamim
Retornando à passagem de I Cor. 11:27-30, vamos verificar qual seria o pecado cometido pelos membros da igreja de Corinto que causou o juízo divino sobre eles? Primeiramente vamos ler a passagem:
“Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. 28 Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; 29 pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. 30 Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem” (ICor. 11:27-30)
O texto deixa claro que os cristãos estavam comendo o pão e bebendo o cálice indignamente (v.27). O que seria ‘indignamente’? Então, o próprio texto recomenda que o homem deve examinar a si mesmo antes de participar da ceia (v.28) e conclui que quem come e bebe sem discernir o corpo está, na verdade, atraindo juízo contra si mesmo (v.29). Isso significa que o termo indignamente significa comer e beber sem um autoexame prévio, ou seja, eles estavam tomando a ceia como se fosse uma refeição qualquer, um ritual vazio ou mesmo sem qualquer ritual, sem investigação íntima.
Levando isso em conta, qual pecado punível com karet estaria associado à celebração da ceia. Por eliminatória, já podemos descartar os pecados da idolatria e da sexualidade, porque não guardam qualquer relação com o contexto. A ceia foi um mandamento cerimonial instituído por Jesus e, suas poucas palavras enquanto a celebrava, enfatizaram que o pão era o seu corpo e o vinho, o seu sangue (Mt. 26:26,27). Esse tipo de ordem somente se encaixa na categoria das leis cerimoniais.
Retornemos agora para a Torá. Em Levítico 22, os sacerdotes descendentes de Arão foram proibidos de se aproximar das ofertas, caso estivessem em estado de impureza. A pena para isso era kareis (item 8 da tabela acima). Os sábios do Talmude nos ensinam que a exegese de Lev. 22:3 nos mostra que “se aproximar das ofertas” tem o sentido de comer da oferta, pois a expressão “se aproximar” significa justamente “aproximar-se para comer”, que era feito depois do serviço sacrifical. A pena de kareis se aplica apenas depois que o sacerdote comia da oferta em estado de impureza. A gravidade dessa infração foi ainda acentuada com a expressão “diante de mim, eu sou o Senhor” – sinalizando que Ele pessoalmente executaria a sentença de forma ainda mais rigorosa que as outras hipóteses de kareis mencionadas nas Escrituras.
Na mesma esteira, a ceia do Senhor é um ritual que envolve, assim como em alguns sacrifícios, o ato de comer. No caso da Torá há diferentes sacrifícios com regras especificas que fugiria ao escopo de análise deste artigo, mas o fato é que, uma vez que o sacerdote come em estado de impureza, ele estaria sujeito a uma morte prematura (kareis). Semelhantemente, no caso da ceia do Senhor, o apostolo está nos alertando que, se participarmos sem um autoexame, estaríamos sujeitos à mesma penalidade.
Qual seria então, especificamente, o sacrifício do antigo testamento que corresponderia à celebração da ceia do Senhor? Dentre todas as ofertas, aquela que mais se encaixa como sombra da ceia do Senhor seria a oferta shelamim (sacrifícios pacíficos). Assim como na oferta selamim, a ceia também é comida diante do próprio Senhor. Ambos os rituais exigem que o participante esteja em estado de pureza; ambos contem o pão e o vinho como elementos – no caso da oferta de shelamim, ela deve ser sempre acompanhada pela oferta de manjares (pão) e libação (vinho); assim como a ceia do Senhor é um momento solene de celebração, a oferta shelamim é a única oferta que também é associada com celebração, em que a carne pode ser comida fora do templo e destinada mais para o ofertante e aqueles que estão celebrando juntamente com ele; assim como Jesus partiu o pão, que era o seu corpo, a oferta shelamim foi criada para repartida; por fim, a oferta shelamim não poderia ser comida no terceiro dia, e, igualmente, o corpo de Jesus foi oferecido em nosso favor e a terra não pôde contê-lo no terceiro dia. As outras recomendações dadas por Paulo, tais como a moderação (I Cor. 11:34), uma limpeza interior (I Cor. 11:28), a necessidade de decência e seguir uma ordem ritual para a celebração igualmente era aplicável para a oferta shelamim.
Em resumo, comer do pão e do vinho de forma impura (sem um autoexame) faz incidir a mesma infração de kareis descrita em Lev. 22:3 – aproximar-se para comer carne sacrificial em estado de impureza – de onde o apóstolo Paulo provavelmente inferiu que essa foi a causa de os cristãos de coríntios estarem adoecendo e mesmo morrendo antes da hora (I Co. 11:30). Foi uma revelação que ele teve, mas totalmente baseada na Palavra de Deus.
Por que uma instrução para lei cerimonial foi incluído no roll das leis mais importantes da Torá? Hoje é dia de Jesus na Torá. Confira comigo:
No dia em que o oferecerdes [o sacrifício pacífico] e no dia seguinte, se comerá; mas o que sobejar, ao terceiro dia, será queimado” (Lev. 19:6).
Essa é uma referência à oferta shelamim. Essa era a única oferta em que não sacerdotes comiam de sua carne, e poderiam fazê-lo até o fim do segundo dia. Além disso, ela era acompanhada por oferta de manjares, o pão sem fermento, e libação, o vinho. Semelhantemente Jesus ofereceu o seu corpo, representado pelo pão, e o seu sangue, representado pelo vinho e a terra só pôde comer sua carne pelos mesmos dois dias porque ao terceiro, ele ressuscitou.
Então, violar a proibição de comer a carme ao terceiro dia alude a negar a própria ressurreição do nosso Senhor, por isso que a Torá apontou para Jesus quando nos adverte que se alguma coisa dele for comida ao terceiro dia, é abominação” (Lev. 19:7).