As Doze Tribos de Israel

Se perguntarmos hoje aos cristãos acerca das doze tribos de Israel nos dias atuais, alguns responderam que elas não existem mais e o que resta hoje seria apenas os judeus, descendentes, em sua maioria, das tribos de Judá e Benjamin, outros dirão que os cristãos seriam as verdadeiras 12 tribos de Israel. Nesse artigo, vamos estudar como o tema das 12 tribos foi compreendido pela tradução judaica e pelos apóstolos e assim poderemos ter uma visão mais clara do seu sentido para nós hoje e o que a Bíblia quis dizer ao mencionar a futura reunião das 12 tribos.

1. As doze tribos de Israel segundo a tradição

Vamos começar nosso estudo a partir de Abraão. Deus lhe prometeu ser pai de muitas nações (Gen. 17:4). No entanto, quando estudamos a genealogia de Genesis 10, contamos setenta descendentes de Noé, os quais seriam, segundo a tradição os patriarcas das 70 nações. Então, se as 70 nações já foram estabelecidas antes de Abraão, por que Deus prometeu que ele haveria de ser pai de numerosas nações (Gen 17:4)? Ao se debruçar sobre esse tema, o Midrash Tanchuma – na discussão da Parasha Lech Lecha  – nos ensina que não é o nascimento que faz alguém descendente de Abraão, mas suas ações. Então, segundo o midrash os verdadeiros filhos de Abraão são aqueles que imitam suas ações. Essa ideia reforça a noção de uma “descendência espiritual”, fundamentada na fé e na conduta, não apenas no sangue. O mesmo entendimento é encontrado em Sifrei Devarim 96, sobre Deuteronômio 14:1 (“Vocês são filhos do Senhor, seu Deus”), os rabinos discutem que “filhos de Deus” são aqueles que se comportam de modo que possam ser chamados de “filhos de Abraão”.

A promessa de Deus de que Abraão seria pai de muitas nações, portanto, parece ter se cumprido numa perspectiva espiritual: gente de todas as nações que viria a crer no Deus único haveria de compor uma única nação, da qual Abraão seria o patriarca. Nesse sentido, no contexto neotestamentário, podemos afirmar que, se você tem a fé em Jesus, o seu pai espiritual é Abraão. O apóstolo Paulo seguia esse mesmo raciocínio ao ter afirmado que Jesus morreu na cruz para que as bênçãos de Abraão pudessem nos alcançar (Gal.3:14) e que apenas aqueles que são da fé, devem ser considerados como filhos de Abraão (Gal. 3:7). Então, assim como consta na tradição, o mesmo entendimento de que Abraão é o pai de uma nação espiritual foi igualmente adotado pelo apóstolo Paulo.

Retornando ao tema das doze tribos, e considerando o que já aprendemos até aqui, podemos considerar que a sua composição vai além dos descendentes de Jacó, que são os patriarcas das doze tribos. Inclusive, quando o povo de Israel saiu do Egito, a Torá ensina que houve ali uma mistura de povos (Ex. 12:38) e eles nunca foram tratados com apartados das 12 tribos, ou seja, essa mistura fez parte das 12 tribos e todos estavam unidos pela mesma fé.

2. As doze tribos de Israel segundo os apóstolos

A epístola de Tiago foi endereçada “às doze tribos que se encontram na Dispersão” (Tg. 1:1). Em seguida, ele começa dizendo ‘meus irmãos’ (Tg.1:2) sinalizando que essas doze tribos eram, na verdade, seus irmãos na fé, ou seja, ele endereçou a sua carta a todos os cristãos. A ideia de que os cristãos estão na dispersão encontra-se também na I Pe. 1:1: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos que são forasteiros da Dispersão” (1 Pe. 1:1, grifo nosso).

Por que os cristãos são chamados de forasteiros ou aqueles que vivem na dispersão? A própria Bíblia nos explica. Em Heb 11 aprendemos que todo aquele que vive por fé é considerado como peregrino, pois os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria (Heb. 11:14) e a explicação dada pelo autor nos revela que essa crença já esteve presente desde Abraão. Em resumo, a comunidade da fé no Deus único é considerada, desde tempos antigos, como composta exclusivamente por peregrinos que buscam sua herança na pátria celestial. 

Ora, considerando que o apóstolo Tiago chamou de 12 tribos todos aqueles que são seus irmãos, ou seja, aqueles que creem em Jesus, entendemos que a expressão 12 tribos alude à comunidade cristã, que, assim como Abraão, vive como peregrina ou na dispersão, buscando a pátria celestial.

Isso ainda não é tudo. O apóstolo Paulo nos brinda com uma brilhante exegese acerca das 12 tribos, detalhando o seu sentido para nós. Em Romanos 9:24-27, ao explicar porque apenas um remanescente judeu estava se convertendo ao evangelho ao passo que os gentios estavam mais receptivos à Palavra de Deus, ele menciona que isso estava ocorrendo para que se cumprisse as profecias de Oséias e Isaías:

“os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? 25 Assim como também diz em Oséias: Chamarei povo meu ao que não era meu povo; e amada, à que não era amada; 26 e no lugar em que se lhes disse: Vós não sois meu povo, ali mesmo serão chamados filhos do Deus vivo. 27 Mas, relativamente a Israel, dele clama Isaías: Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo”. (Romanos 9:24-27).

Para entendermos melhor a abordagem do apóstolo Paulo, vejamos mais detidamente essas profecias de Oseias e Isaías:

1. A profecia de Os.1:10 foi uma promessa feita por Deus de que Ele haveria de chamar as 10 tribos dispersas pela Assíria novamente à conversão. Eles que, inicialmente foram rejeitados pela idolatria, haveriam de ser chamados ‘meu povo’.

2. A profecia de Isaias 10:22-23 prediz que, ainda que o povo de Israel seja tão grande como a areia do mar, apenas um remanescente seria salvo, ou seja, uma pequena parcela se converteria enquanto a maioria seria rejeitada.

Tendo isso em mente, quando lemos a passagem de Rom. 9:24-27, percebemos que o apostolo Paulo está considerando que Os.1:10, ao se reportar às de tribos, estaria, na verdade, aludindo aos gentios: um povo que não era parte do povo de Deus, mas que haveria de ser chamado de povo amado por Deus. Por outro lado, Paulo concluiu que o texto de Isaias 10:22-23 alude aos judeus, os quais ainda que fosse um povo numeroso, haveriam de tropeçar na incredulidade e apenas uma pequena parcela deles seria salva.

Seguindo essa linha de raciocínio, percebemos que Paulo considerava, em seu estudo das profecias, que as 12 tribos poderiam ser divididas em dois blocos: 10 tribos simbolizavam os gentios; e as outras duas, os judeus. Nesse contexto, e pelo exposto a partir do estudo das outras epístolas, os judeus e gentios que fazem parte dessas 12 tribos seriam, obviamente, aqueles convertidos a Jesus.

3. A reunião profética das doze tribos

O livro de Ezequiel nos ensina que o Messias haveria de reunir as 12 tribos novamente:

“Assim diz o SENHOR Deus: Eis que tomarei o pedaço de madeira de José, que esteve na mão de Efraim, e das tribos de Israel, suas companheiras, e o ajuntarei ao pedaço de Judá, e farei deles um só pedaço, e se tornarão apenas um na minha mão (…) Dize-lhes, pois: Assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu tomarei os filhos de Israel de entre as nações para onde eles foram, e os congregarei de todas as partes, e os levarei para a sua própria terra. 22 Farei deles uma só nação na terra, nos montes de Israel, e um só rei será rei de todos eles. Nunca mais serão duas nações; nunca mais para o futuro se dividirão em dois reinos” (Ez.37:19,21-22).

Que 12 tribos seriam essas? Considerando o exposto nas seções anteriores, aprendemos que a tradição judaica entende que as 12 tribos englobam toda a comunidade da fé no Deus único, e no Novo Testamento, alude a todo o povo de Deus, judeus e gentios, que estão unidos na fé em Jesus. Levando isso em consideração, a profecia de Ezequiel alude a uma futura reunião na terra de Israel de todo o povo de Deus (judeus e gentios), quando então haverá apenas um único reino sob o governo do Messias.

Como se dará essa reunião? Quando olhamos a história hoje podemos ser falsamente induzidos a acreditar que a formação do atual estado de Israel é o cumprimento da profecia de Ezequiel 37. No entanto, considerar a formação do estado judeu, composto em sua imensa maioria de pessoas que não creem em Jesus, como cumprimento da profecia seria desconsiderar a interpretação apostólica e mesmo, de pelo menos em parte, da tradição judaica sobre o assunto. Por outro lado, se insistirmos na ideia de que Ezequiel 37 alude a uma reunião de judeus e gentios na terra de Israel, então podemos considerar a hipótese de que haverá um grande avivamento nesse lugar.

E é justamente isso que o apóstolo Paulo nos ensina. Na Epístola aos Romanos, o Apóstolo São Paulo compara os judeus como ramos naturais da oliveira, que foram arrancados pelo Senhor, ao passo que os gentios, como ramos bravios, foram enxertados, mas que tal situação não haveria de perdurar para sempre, pois num futuro incerto, os judeus seriam enxertados novamente (Rm. 11). A partir da sua exposição, podemos resumir que a progressão do evangelho haveria de obedecer ao seguinte encadeamento de eventos:

1ª etapa2ª etapa3ª etapa4ª etapa5ª etapa
Evangelho rejeitado pela maioria dos judeus.Evangelho abraçado pelos gentiosEvangelho atinge a plenitude dos gentiosEvangelho abraçado pelos judeusEvangelho alcança uma plenitude ainda maior: ‘vida dentre os mortos’
Rm. 10:16,21Rm. 10:19-20; 11:11Rm. 11:25Rm. 11:25Rm. 11:12,15

No tempo em que escreveu a sua epístola, Paulo estava vivendo um momento em que o evangelho era abraçado pelos gentios, ao passo que os judeus, em sua maioria, rejeitavam. Essa situação haveria de perdurar até que os gentios atingissem a plenitude. E, conforme ainda explicaremos em um artigo separado, a plenitude dos gentios foi o cumprimento dos 1335 dias mencionados em Daniel 12:12, o qual coincide, igualmente, com o fim das 2300 tardes e manhãs de Daniel 8:14, e isso ocorreu em 1967, ‘coincidentemente’, no mesmo ano que Israel conquistou toda a terra de Israel durante a Guerra dos Seis Dias. Então, estaríamos hoje vivendo o inicio de um grande avivamento no meio do povo judeu.

Segundo nos informa Roy Schoeman, no livro Salvation is from the Jewish, antes de 1967 havia apenas alguns milhares de judeus messiânicos nos Estados Unidos (EUA), e, no máximo, quatro ou cinco sinagogas messiânicas. Contudo, em meados da década de 70, a revista Time colocou o número dos judeus messiânicos nos EUA em mais de 50.000, e, em 1993, disparou para 160.000, sendo que eram cerca de 350.000 no mundo inteiro (estimativa de 1989)[1]. E o número continua aumentando de forma surpreendente: em 2004, já havia 300 congregações messiânicas nos EUA[2].

Então, podemos notar que, na verdade, o movimento da historia confirma a assertividade da interpretação proposta de que as 12 tribos, judeus e gentios unidos pela fé em Jesus, estão no processo profético de se tornarem uma só nação e que isso vai se cumprir completamente, quando da volta de Jesus, o rei que governará o mundo para sempre.


[1] SCHOEMAN, Roy H. Salvation is from the jewish. Edição do Kindle. San Francisco: Ignatio Press, 2003, p.263.

[2] Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Messianic_Judaism. Acesso em 10 de fev. 2022.

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